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Marcela Rocha, primeira aluna negra e de cotas a se formar em Gastronomia, parte para estágio na França

ENSINO Data de Publicação: 21 set 2018 16:06 Data de Atualização: 09 jan 2019 12:51

A estudante de Gastronomia do Câmpus Florianópolis-Continente Marcela Rocha foi escolhida para uma vaga que pode ser o sonho de muitos estudantes da área: conseguiu um estágio na França, por meio de um convênio do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) com o Liceu de Hotelaria de La Rochelle. 

Marcela não queria ter muita expectativa de passar. Tinha reprovado em algumas disciplinas por causa do trabalho e a seleção era teste de compreensão oral e escrita do idioma francês, além de outros critérios de classificação definidos no edital. No resultado parcial ficou em terceiro lugar. Só tinha vaga para dois. Não tinha dinheiro. Sabia o básico de francês. Mas certas coisas simplesmente têm que dar certo. 

A colega que ficou em segundo lugar optou por outro estágio, desconhecidos se juntaram para ajudar a pagar as despesas e - acreditem - descobriu até um primo que mora em Paris com quem está tendo aula de francês pelo telefone. Antes da entrevista, estavam conversando sobre La Rochelle, cidade portuária no sudoeste da França com, segundo seu próprio guia turístico de 2018, 76 mil habitantes e 300 restaurantes. 

Aos 32 anos, Marcela partirá segunda-feira (24), para a temporada de dois meses no Hotel Clarion Collection Les Flots em Chatelaillon Plage (França), onde deve trabalhar nos turnos de almoço e jantar. 

“Estou um pouco ansiosa e um pouco com medo de chegar ao aeroporto e não entender nada (risos). Mas o estágio vai ser muito bom em relação à prática na cozinha porque lá eles têm um rigor técnico de base. Mesmo que depois eu queira seguir áreas completamente diferentes, se eu tiver uma boa base e referências técnicas vai ser muito mais fácil para mim”, explica. 

Ajuda inesperada

Há um mês, passada a euforia de ter conseguido, caiu a ficha. “E agora, como é que vou? Não tenho um centavo”, ela lembra rindo, porque sempre ri. Foi aí que os amigos sugeriram criar uma vaquinha online, para que ajudassem Marcela com os custos da viagem. A repercussão foi tão grande que a estudante bateu a meta em cinco dias e uma empresa de brownies de Florianópolis resolveu bancar as passagens de ida e volta. “O que mais me impressionou é que era a última semana do mês e muitas pessoas que nem conheço me ajudaram. Ainda está caindo a ficha, fiquei muito feliz.” 

Desde 2012 foram seis estudantes para estágio internacional na França em parceria com o Liceu de La Rochelle, dos quais três são mulheres. A Marcela é a primeira mulher negra cotista a ir, e também a se formar no curso de Gastronomia do Câmpus Florianópolis-Continente. Ela diz que espera inspirar outras meninas com a história dela e ressalta que ficaria feliz só de ver outras meninas negras concluírem o curso. 

“A gastronomia brasileira é cheia de influência da cultura negra e a gente não estudava profissionais negros em nenhum momento do curso. Na disciplina de História da Gastronomia foi falado de gastronomia do mundo inteiro e não tinha sequer uma referência africana”. 

Quando perguntada sobre outros colegas negros, ela se lembra de dois. Uma saiu. Do outro, Marcela não teve mais notícia. Não sabe se ele continua no curso. “Os alunos negros entram, participam, só que muitas vezes acabam saindo. Sinto falta de ver outras pessoas com a história parecida com a minha, para me identificar.” 

Vida em cinco estados e paixão pela cozinha 

Natural de Japeri, no Rio de Janeiro, Marcela cresceu vendo as tias Eliete e Elaine fazerem salgados para as festas dos vizinhos. Aos 20, começou a trabalhar em casamentos como garçonete. Gostou da movimentação e da adrenalina da cozinha, só que resolveu, aos 25, estudar artes. Mudou-se para o Maranhão, mas procurava sempre trabalhar com cozinha. A paixão falou mais alto, Marcela voltou para o Rio e fez Enem para Gastronomia. Veio para o IFSC, no Câmpus Florianópolis-Continente, em 2015. 

“Além da formação de qualidade, o IFSC me mostrou outras áreas de atuação além da cozinha. Hoje consigo pensar na possibilidade de transformação social através do conhecimento que podemos ter sobre os alimentos. Essa foi a maior riqueza que adquiri na graduação”, ressalta. 

Depois do intercâmbio, Marcela fará o TCC para, então, se formar em março. Ela lembra que o período não foi fácil: aluna de cotas raciais, de escola pública e de renda, trabalhou durante a graduação inteira, terminou o ensino médio no EJA (Educação para Jovens e Adultos) e sentiu dificuldade de acompanhar algumas disciplinas. Não tem certeza da área que quer seguir, mas pensa em estudar Antropologia da Alimentação. 
“Gosto muito de antropologia e de entender por que as pessoas se relacionam com as coisas e, no caso da alimentação, com o alimento. Por que algo é considerado comida para nós e para outro povo não, por que cozinham e comem de determinada forma. Gosto de entender esses porquês.”

Atualmente, Marcela mora com a mãe, dois irmãos e dois sobrinhos, no Sul da Ilha, em Florianópolis. Já morou sozinha no Rio, em São Paulo, em Brasília e no Maranhão. Mas prefere ter outras pessoas por perto. Também gosta mesmo é de cozinhar para bastante gente e depois fica observando, feliz, as pessoas comerem. Diz que para pouca gente dá errado, que as proporções são muito pequenas. Deve ser porque não combinam com o tamanho do coração. A impressão que dá é que, se Marcela pudesse colocar o mundo inteiro na mesa para jantar, colocaria. Assim poderia agradecer cada um que a ajudou do melhor jeito que sabe — cozinhando. Mas, o verdadeiro banquete mesmo é ver Marcela rumo à França com o apoio de tanta gente.  

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