IFSC desenvolve drone híbrido pioneiro para inspeção de linhas de transmissão

INOVAÇÃO Data de Publicação: 21 ago 2025 14:48 Data de Atualização: 21 ago 2025 14:50

Um equipamento capaz de voar por mais de duas horas, realizar inspeções aéreas com alta precisão e reduzir custos operacionais. Essa é a proposta do GD-25, o primeiro drone multirotor híbrido de grande porte desenvolvido no Brasil, fruto de uma parceria entre o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e a empresa Global Drones. O dispositivo representa um avanço na tecnologia nacional de veículos aéreos não tripulados (VANTs) e promete transformar a inspeção de linhas de transmissão de energia, além de outras aplicações que demandam longos períodos de voo. 

A ideia surgiu em 2021, quando a Global Drones procurou a Unidade Embrapii IFSC para superar o principal obstáculo dos modelos convencionais: a autonomia limitada das baterias. Segundo o coordenador do projeto, Leandro de Medeiros Sebastião, professor do Departamento de Eletrotécnica do Câmpus Florianópolis, a empresa já realizava inspeções com drones comerciais “de prateleira”. Embora utilizasse câmeras de alta resolução e outros equipamentos adequados, enfrentava um entrave crítico devido à curta duração dos voos. Na prática, dificilmente chegavam a meia hora no ar, o que exigia múltiplos pousos e aumentava a complexidade logística. 

“O grande fator limitante para escalabilidade da operação estava no tempo de voo – a autonomia – das aeronaves comerciais à época. Raramente conseguiam ultrapassar 25 minutos de duração, o que dificultava inspecionar mais de uma torre no mesmo voo”, explica Leandro. Essa restrição não apenas aumentava os custos e reduzia a eficiência, mas também tornava a atividade em áreas extensas uma tarefa demorada e árdua.

Na parceria, a Global Drones, principal financiadora, apresentou os requisitos iniciais e acompanhou o processo, enquanto o IFSC liderou todas as etapas de pesquisa, desenvolvimento, testes, validação de soluções e protótipos, aquisição de materiais, montagem e ensaios de voos. A solução encontrada foi adotar um sistema de propulsão híbrido – tecnologia rara no cenário mundial para drones multirotores. Em vez de depender apenas de baterias, o GD-25 combina um motor a combustão e um gerador embarcado, utilizando gasolina como combustível principal. 

“Nesse contexto, o volume de combustível transportado ditaria a autonomia da aeronave. A partir dessa premissa, a aeronave foi dimensionada para comportar a quantidade de gasolina suficiente para atender o requisito de duas horas de voo, marca que acabou sendo superada ao longo do projeto”, afirma o docente. Assim, o tamanho do tanque de combustível passou a ser um fator determinante para o tempo de voo, um conceito novo para este tipo de operação. As baterias permanecem a bordo como um sistema de backup, garantindo segurança em caso de falha do motor a combustão e permitindo um pouso seguro.

Tecnologia nacional e adaptada ao mercado

A decisão de desenvolver uma solução nacional, em vez de adaptar modelos importados, foi motivada por razões estratégicas e financeiras. Segundo o professor Leandro, os custos de aquisição, frete, importação e, sobretudo, certificação de modelos estrangeiros com características semelhantes são “proibitivos para a realidade da empresa demandante”. 

A construção do drone desde o zero possibilitou a personalização completa para cumprir os requisitos técnicos específicos do projeto, resultando em uma tecnologia proprietária com grande potencial para futuras adaptações e aplicações. Ainda que alguns componentes-chave – como motores, hélices, câmeras e sensores – sejam importados por conveniência, a concepção, o dimensionamento e a montagem do protótipo foram integralmente efetuados no país.

De acordo com Leandro, existem poucas soluções nacionais envolvendo drones híbridos, em geral, restritas ao mercado do agronegócio e à pulverização agrícola. “Contudo, explorar essa tecnologia em diversas frentes e aplicações abre novos caminhos, oportunidades, desafios tecnológicos e inovações, que são incorporadas e nacionalizadas à medida que os projetos são realizados”, avalia. 

Do laboratório ao campo: desafios e aprendizados

Antes do GD-25, a experiência do IFSC se concentrava em drones de pequeno porte, com até 45 centímetros de diâmetro (distância entre eixos opostos). O salto para um modelo de até 25 quilos e alta autonomia exigiu novos conhecimentos em áreas como aerodinâmica, integração de sistemas híbridos e segurança operacional. “Ainda que haja uma considerável semelhança de tecnologia embarcada, o porte maior da aeronave trouxe diversos desafios e aprimorou de forma significativa a expertise do grupo de pesquisa no desenvolvimento de modelos desse tamanho”, destaca Leandro.

Para o coordenador, a integração do sistema híbrido foi a etapa mais difícil, por conta do ineditismo e da escassez de referências a drones com essa característica. A equipe precisou equilibrar cuidadosamente três variáveis: a massa total do veículo, o sistema de propulsão (composto por motor a combustão, gerador, tanque de combustível e baterias de backup) e a autonomia. “A redução de peso, apesar de bastante desafiadora, foi menos complexa, pois desde o início do projeto a seleção de componentes e o dimensionamento da aeronave ponderaram essa variável, por conta de sua relevância. Como resultado, a autonomia desejada foi alcançada de forma natural”, explica.

A pesquisa e o desenvolvimento foram essenciais para lidar com as particularidades da integração de um conjunto híbrido. O trabalho compreendeu o design do protótipo – contemplando os componentes que deveriam garantir equilíbrio de centro de massa, gerenciamento térmico, supressão de vibrações, montagem e manutenção –, a integração do sistema de baterias em paralelo com o sistema híbrido a combustão (para evitar incidentes no caso de falha da máquina térmica), além da sintonia da controladora de voo e do sensoriamento auxiliar.

Garantir a segurança dos voos e das operações foi prioridade durante todo o processo. A equipe manteve atenção rigorosa aos parâmetros exigidos para veículos que utilizam baterias de lítio e líquidos inflamáveis, com hélices de fibra de carbono em alta rotação e em circulação no espaço aéreo. Também foi necessário o cumprimento de todas as normas e regulamentos de órgãos como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). 

Com um investimento aproximado de R$ 2,68 milhões, o projeto foi concluído em janeiro de 2024, atingindo o nível de maturidade TRL6 (protótipo validado em ambiente relevante). A Global Drones assumiu as próximas etapas, que incluem a otimização do modelo para produção em escala, a obtenção das certificações junto aos órgãos reguladores e a introdução no mercado. Após o desenvolvimento do GD-25, a empresa firmou contrato para mais três projetos com o IFSC e está prestes a fechar outros dois. 

Além da inspeção: múltiplas aplicações do GD-25

Embora o foco inicial tenha sido a inspeção de linhas de transmissão, o professor Leandro aponta que o GD-25 tem potencial para diversas outras áreas, abrindo novos caminhos para o mercado nacional de drones. A tecnologia pode ser aplicada em:

  • mapeamento de extensas áreas, possibilitando o levantamento topográfico e de recursos naturais em uma única missão prolongada; 
  • vigilância, para monitoramento de fronteiras, oleodutos, gasodutos ou grandes perímetros de segurança por longos períodos; 
  • suporte tecnológico em situações críticas, como o fornecimento de iluminação auxiliar em emergências noturnas ou a repetição de sinal de comunicação em regiões remotas ou afetadas por desastres. 

Somado a isso, a capacidade de carregar pequenas cargas também abre portas para aplicações logísticas, como o transporte de itens estratégicos a locais de difícil acesso. De acordo com o professor Leandro, o leque de usos tende a se expandir continuamente. “Novas aplicações trazem novas demandas de engenharia para nós, desenvolvedores de aeronaves. Desde a parte de hardware, com adaptações e desenvolvimento de subsistemas para incorporação de novas funções, até a parte de software, com o desenvolvimento de algoritmos de controle de navegação ou de missão da aeronave, sistemas semiautônomos, etc.”, prevê.

Impacto na formação de futuros profissionais

Um dos legados mais relevantes do projeto é o impacto direto na formação dos estudantes. A iniciativa proporcionou aos alunos uma experiência interdisciplinar, abrangendo áreas como eletroeletrônica, mecânica, aeronáutica e design. O trabalho em equipe, o gerenciamento de um cronograma rigoroso e a oportunidade de propor e implementar soluções criativas foram essenciais para o aprendizado prático e para o desenvolvimento de habilidades de resolução de problemas.

 “Trata-se de um complemento de grande valia à formação tradicional dos cursos regulares desses estudantes”, comenta Leandro. Segundo ele, o projeto estimulou nos alunos a consciência sobre responsabilidade, cumprimento de procedimentos de segurança e aplicação de boas práticas de engenharia, preparando-os para o mercado de trabalho com um diferencial competitivo. 

Como reflexo do sucesso da parceria, a Global Drones contratou cinco egressos do IFSC que atuaram como bolsistas no projeto, demonstrando a qualidade da formação e a importância da vivência na prática. Há ainda a perspectiva de novas contratações, impulsionada pela crescente demanda por profissionais capacitados neste tipo de aeronave. “A participação em projetos como este é um diferencial relevante para a contratação, seja na própria Global ou em outras empresas que utilizam tecnologias semelhantes”, afirma Leandro.

Fortalecimento da pesquisa e legado para o setor

O projeto também fortaleceu o Grupo de Pesquisa em Veículos Não Tripulados Remotamente Pilotados do IFSC, criado em 2021, e contribuiu para a consolidação do Laboratório de Drones do IFSC (LabDrones). Voltada para inovações que irão marcar a próxima geração desses equipamentos, o grupo atua em iniciativas de ensino, pesquisa e extensão, além de competições. 

Para Leandro, o próximo passo na evolução dos drones envolve novas fontes de energia, como células a hidrogênio e baterias de alto desempenho, capazes de ampliar ainda mais a autonomia e a segurança. No entanto, ele ressalta que nem todo estudo na área precisa se concentrar em "tecnologias inéditas ou disruptivas". 

“A incorporação de conceitos básicos e o aprendizado sobre projeto e construção de aeronaves mais simples têm um valor substancial para profissionais que desejam compreender melhor e trabalhar com essa tecnologia. Nosso LabDrones incentiva a participação de alunos iniciantes, promovendo competições estudantis e estimulando a realização de trabalhos de conclusão de curso e demais pesquisas correlatas nas quais possamos contribuir”, afirma.

O sucesso do GD-25 vai além do desenvolvimento de uma única aeronave: solidificou a posição do IFSC como referência nacional no desenvolvimento de drones e exemplifica como a colaboração entre academia e setor produtivo pode gerar soluções estratégicas para o país. Afinal, ao oferecer uma alternativa nacional a equipamentos importados, o projeto contribui para a soberania tecnológica e para a formação de profissionais mais qualificados.
 

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