INSTITUCIONAL Data de Publicação: 06 ago 2025 09:47 Data de Atualização: 08 ago 2025 14:47
Após uma década de discussões, revisões e participação de diferentes setores da comunidade acadêmica, entrou em vigor na última sexta-feira, dia 1º de agosto, o Código de Convivência Discente (CCD) do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). O novo marco normativo foi aprovado, na reunião ordinária do Colegiado de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) de 3 de julho de 2025, por meio da Resolução CEPE/IFSC nº 63.
Acesse o Código de Convivência Discente do IFSC
Elaborado para unificar diretrizes e fortalecer o caráter pedagógico na gestão das relações estudantis em todos os câmpus, o CCD define direitos e deveres dos discentes, estabelece condutas inadequadas, propõe medidas educativas, complementares e disciplinares, e cria um instrumento único de referência para todas as unidades. A normativa abrange todos os espaços acadêmicos – físicos ou virtuais – nos quais os estudantes estão sob responsabilidade do IFSC e se aplica a alunos matriculados, incluindo aqueles com matrícula especial, trancada, intercambistas e estagiários.
A principal mudança prática esperada com o novo Código é a adoção de uma regra única para todos os câmpus. De acordo com o pró-reitor de Ensino (Proen) e presidente do Cepe, Adriano Larentes da Silva, a ausência de um regramento institucional levava os câmpus a criarem regulamentos próprios, muitas vezes divergentes entre si. "Agora, temos uma regra única que dialoga com outros documentos, como a Política de Prevenção e Combate ao Assédio Moral, ao Assédio Sexual e às Violências e a resolução sobre o uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos", explica Adriano. “É um documento que cria um escopo institucional, permitindo ações e respostas comuns a toda a rede”, completa.
Para a assessora da Proen, Elisandra Cardoso Colares, que coordenou as atividades do Grupo de Trabalho (GT) responsável pela versão final do CCD, o normativo “formaliza o que é fundamental”, como o direito de conviver em um ambiente institucional democrático, livre de discriminação, constrangimentos e intolerância. “Sob este olhar, o maior impacto é termos um documento institucional, prevendo, de forma unificada para todos os câmpus, as medidas a serem tomadas caso a boa convivência seja prejudicada, estimulando a ideia de atuação em rede. Isto demonstra um amadurecimento institucional e uma segurança jurídica para todos, tendo em vista que, antes do CCD, ficava a cargo de cada câmpus a definição das medidas a serem tomadas dada a ausência de uma norma geral”, pontua.
Adriano ressalta que a essência do Código é formar e educar, refletindo o papel central do IFSC como instituição de ensino. Ele destaca que o documento foi cuidadosamente elaborado para ter um caráter mais pedagógico e menos coercitivo, priorizando a mediação e o trabalho educacional nas situações de conflito. "Deve-se buscar, naqueles casos em que couber, a mediação como primeiro elemento. Nesse sentido, é o trabalho cotidiano, o trabalho de formação, o trabalho pedagógico que vai levar a esse processo. Então, a partir de agora, temos o desafio de fazer com que a instituição – especialmente suas gestões – conheça, discuta e incorpore o Código em sua rotina, tornando-o uma referência para lidar com situações do cotidiano, fugindo ao caráter meramente punitivo”, afirma.
O Código busca um equilíbrio entre os direitos e os deveres dos estudantes. Entre os principais direitos estão: conviver em um ambiente democrático, livre de discriminação e intolerância; ser tratado com respeito, independentemente de idade, sexo, gênero, etnia, cor, credo, religião, origem socioeconômica, entre outros; participar de atividades e organizações estudantis; ter acesso a informações sobre sua vida acadêmica e privacidade de dados sensíveis; e ter direito à ampla defesa em casos disciplinares. A norma também assegura a livre associação e organização estudantil nos câmpus do IFSC, sem interferência dos servidores.
Por sua vez, os deveres do estudante incluem: conhecer e cumprir o Código e demais normas; proceder com integridade, civilidade e honestidade; respeitar as normas dos diferentes espaços acadêmicos e zelar pelo patrimônio público; comparecer às atividades com pontualidade e responsabilidade; respeitar a diversidade cultural e humana; além de abster-se de produzir ou divulgar conteúdos discriminatórios, ilegais ou ofensivos. Também é vedado apresentar como próprios trabalhos realizados por terceiros ou gerados por inteligência artificial.
Uma trajetória de debates e colaboração
A proposta inicial do Código de Convivência Discente começou a ser elaborada pela Proen em 2015, com uma minuta finalizada em 2017 e encaminhada à Assessoria Técnica do Gabinete no início de 2018. Além dos câmpus e da Comissão de Estudantes, o Comitê de Direitos Humanos do IFSC também participou do processo de consulta apresentando contribuições ao texto.
Em 2019, o documento foi submetido ao Cepe, mas sua tramitação enfrentou obstáculos como cortes de orçamento e, posteriormente, a pandemia de covid-19. Em novembro de 2020, uma comissão de relatoria foi criada para reestruturar o texto com foco mais pedagógico e comunicativo, substituindo o tom originalmente mais coercitivo. Apesar da aprovação do Colegiado em abril de 2021, por meio da Resolução nº 29/2021, a entrada em vigor ficou condicionada à aprovação do Conselho Superior (Consup), o que não ocorreu à época. O tema voltou à pauta institucional em 2023 pela Proen, por meio da Coordenadoria de Juventudes e Diversidades, impulsionado por demandas do movimento estudantil.
Um novo grupo de trabalho foi então constituído pelo Cepe, com participação de representantes da Proen, docentes, técnicos-administrativos, estudantes, coordenadorias pedagógicas e chefias dos Departamentos de Assuntos Estudantis dos câmpus (DAEs). Duas etapas de consultas públicas foram realizadas: uma com áreas específicas dos campi (julho a agosto de 2023); e outra com assembleias gerais em cada campus, garantindo a participação de estudantes e servidores (setembro a novembro de 2023).
Os trabalhos foram temporariamente suspensos devido à greve dos servidores federais entre abril e julho de 2024, mas retomados em agosto. Ao todo, o GT analisou 244 sugestões, realizou uma consulta à Procuradoria e realizou inúmeras reuniões semanais ou quinzenais até que a minuta fosse aprovada na reunião ordinária do Cepe do dia 3 de julho de 2025. Houve a participação do movimento discente durante todo o processo.
Classificação de condutas e medidas aplicáveis
O novo Código estabelece uma gradação das situações de descumprimento das regras, de acordo com a natureza e a gravidade da falta cometida, classificando-as como leves, moderadas e graves. Em casos mais sérios, o documento prevê a instauração do Processo Disciplinar Discente (PDD), que garante ao estudante o direito à ampla defesa e ao contraditório. É assegurado que a apuração e aplicação das medidas sejam conduzidas de forma não vexatória. Além disso, os processos disciplinares discentes não devem constar no histórico do estudante.
A proposta, conforme reforça Elisandra, é sempre priorizar a mediação e o caráter educativo. “Temos, como premissa básica, o acolhimento aos sujeitos envolvidos e a escuta das partes envolvidas, demonstrada através da necessidade de sempre se considerar o contexto da ocorrência do descumprimento das regras de convivência. Inclusive, eventuais sanções decorrentes de atos leves ou médios podem ser substituídas por medidas complementares, visando contribuir para o processo educativo do estudante”, destaca Elisandra.
Assim, o Código estabelece como prioridade as medidas educativas e complementares, antes da adoção de medidas disciplinares. As ações educativas — como conversas orientadoras, conciliação entre as partes e o envolvimento de pais ou responsáveis no caso de adolescentes — podem ser aplicadas independentemente da instauração de um Processo Disciplinar Discente (PDD).
Já as medidas complementares, que incluem acompanhamento pedagógico e psicológico, além de encaminhamentos a serviços de saúde ou assistência social, têm como objetivo contribuir para o processo formativo dos estudantes. Elas podem ser adotadas como alternativa em casos de menor gravidade ou de forma adicional em situações mais sérias.
Por fim, nos casos considerados graves, o Código prevê sanções disciplinares, que podem incluir a suspensão temporária das atividades escolares ou, em situações extremas que envolvam riscos à segurança da comunidade acadêmica, o cancelamento da matrícula do estudante.
Elisandra ressalta que o CCD é um documento complementar ao Regulamento Didático Pedagógico e prevê as ações que o IFSC pode adotar, no âmbito administrativo, caso a regra de convivência seja descumprida. No entanto, isso não exclui a responsabilidade civil e penal do estudante – ou responsável, quando for o caso. Ela lembra ainda que o papel da equipe multidisciplinar pedagógica é fundamental no acompanhamento dos casos e no encaminhamento dos estudantes ao atendimento especializado, sempre que necessário. “As medidas disciplinares para atos graves são aplicadas no âmbito da gestão do câmpus, embora a equipe pedagógica possa ser ouvida durante o processo”, afirma.
Prevenção, formação e atualização constante
Elisandra aponta que um dos principais desafios está na prevenção de conflitos, essencial para a manutenção de uma convivência harmoniosa. "O ideal mesmo seria nem precisarmos deste documento, e a manutenção da boa convivência pudesse ser natural e implícita, o que entendemos acontecer na maior parte dos casos. Mas, infelizmente, isso não acontece sempre, o que justifica a necessidade de termos este Código”.
Para a servidora, a nova normativa é necessária e esperada pela comunidade, justamente para viabilizar uma uniformidade de tratamento nas situações análogas nos diferentes câmpus, mas depende de formações continuadas e da atuação dos gestores locais. “Algo que foi pontuado pelo GT ao Cepe foi a necessidade de divulgação e formações constantes sobre os diversos assuntos que permeiam o Código. E, como estamos num momento de transição de gestão, os novos gestores têm um papel importante neste processo de divulgação e zelo pelo cumprimento do documento”, aponta Elisandra.
O pró-reitor Adriano também enfatiza a necessidade de formação continuada dos servidores para garantir a aplicação adequada do Código, em um processo semelhante ao que ocorreu com a política de enfrentamento ao assédio. “Ele não é um documento para somente momentos de crise. É um Código que precisa ser pensado, refletido e discutido diariamente na instituição. É um processo que precisa passar pela Proen, mas também pelas gestões dos câmpus, para que no dia a dia de cada um seja conhecido pelos estudantes e pelo conjunto dos servidores”.
Embora represente um amadurecimento na forma como o IFSC lida com conflitos, Adriano acredita que o CCD não se propõe a transformar a cultura institucional do dia para a noite, mas sim a uniformizar e padronizar condutas e respostas que já vinham sendo desenvolvidas, sempre com a mediação, o diálogo e o processo educativo como premissas. “A instituição já vem lidando com bastante maturidade em situações de conflito. A dificuldade estava no fato de que, às vezes, adotávamos medidas distintas para situações semelhantes. Então, a partir de agora, se quer que situações semelhantes sejam tratadas com medidas semelhantes. Que o Código seja justamente esse parâmetro de referência”, pondera.
A expectativa é que o documento precise de atualizações futuras à medida que novos temas e demandas surgirem. O Código de Convivência Discente do IFSC nasce como um instrumento educativo e transformador, não para eliminar conflitos, mas para oferecer caminhos para enfrentá-los com ética, respeito, escuta e justiça.