Palestra sobre desafios na educação dos surdos inicia curso de Pedagogia Bilíngue (Libras-Português) EaD no IFSC

ESTUDE NO IFSC Data de Publicação: 14 ago 2025 16:05 Data de Atualização: 19 ago 2025 17:15

 

A cidade de Laguna recebeu, na noite de quarta, 13, a aula inaugural do curso de licenciatura Pedagogia Bilíngue (Libras-Português) na modalidade EaD, ofertado pelo Câmpus Palhoça Bilíngue do IFSC. O palestrante foi André Reichert, mestre em Educação, professor e coordenador do curso EaD de Letras-Libras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). André ressaltou que, apesar de o Brasil ter uma estrutura e legislação educacional relativas aos surdos bem melhor que a maior parte dos países, ainda há muito avançar. Para ele, a formação de profissionais da educação realmente fluentes em Língua Brasileira de Sinais (Libras) é essencial para o sucesso acadêmico de crianças e adolescentes e a inserção dos surdos no Ensino Superior e mercado de trabalho.

"De 80% a 90% das crianças e jovens surdos precisam de uma referência surda. A maior parte nasce em uma família de ouvintes, que muitas vezes recebem orientações médicas capacitistas, desestimulando o uso da Libras", explicou. Segundo André, o surdo precisa ter modelos ao seu redor e defendeu que todos aqueles que querem trabalhar com esse público precisam não apenas saber Libras fluentemente, mas é preciso se inserir na cultura surda. 

No entanto, ele alertou para o fato de que ouvintes não podem substituir a "voz" dos surdos. "Podemos comparar com a cultura indígena. Uma pessoa não indígena pode passar dias, meses em um território indígena, aprender a língua, a cultura, os hábitos, mas não pode sair da imersão e dizer que sabe o que os indígenas sentem e necessitam. As relações precisam ser simétricas".

Para ele, é fundamental que formadores sejam extremamente fluentes em Libras, para não atrapalhar o aprendizado das crianças e dos adolescentes. Ele relembrou seus tempos de colégio. "Eu lembro que tentava me apropriar de forma adequada dos conteúdos em sala de aula, mas eu não conseguia. Os professores gesticulavam grosseiramente e nós, alunos surdos, é que tínhamos que ensinar Libras para eles, prejudicando muito o nosso aprendizado".

Ele também lembrou de quando, junto ao Ministério da Educação e representando a  Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), rebateu os argumentos de que a inclusão dos surdos no sistema educacional brasileiro estava funcionando. "Quando o Brasil ratificou a Declaração de Salamanca, as escolas não podiam mais recusar alunos surdos. E foram todos entrando, tendo intérpretes sem fluência em Libras, mas, ao mesmo tempo, as escolas foram  aprovando os surdos porque o sistema educacional dizia que não podiam reprovar os deficientes, porque tinham medo de processos. Aí quando o Enem foi adaptado para Libras e tive reunião com o ministério, eles disseram que estava tudo funcionando. Apresentei os números e mostrei que pouquíssimos surdos tinham sido aprovados e não era por não terem entendido as questões das provas, já que elas tinham sido traduzidas. É que eles não faziam ideia do conteúdo, pois foram sendo apenas aprovados, sem preocupação com o real aprendizado".

Para os futuros pedagogos bilíngues, o recado de André foi enfático: "O futuro pedagogo bilíngue vai ter que ser um sujeito bicultural. É preciso acabar com o capacitismo e pensar que o surdo precisa de apoio e que vocês estão se formando para ajudar os surdos. As pessoas falam 'que bonitinho, usa libras', mas na hora de ensinar, voltam 30 anos no tempo. A Libras e as adaptações pedagógicas não podem ser vistas como um apoio, mas como um direito. Esqueçam essa ideia de ajudar. Vocês não serão os salvadores das crianças surdas. Vocês têm que pensar: eu quero trabalhar na promoção da equidade".

Cerimônia

A cerimônia da aula inaugural foi realizada na sede da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) em Laguna. Contou com a presença da pró-reitora de Ensino do IFSC, Eliana Cristina Bär (representando o reitor Zízimo Moreira Filho); do prefeito de Laguna, Peterson Crippa da Silva; da secretária de Educação de Laguna, Jacqueline Policarpo; da diretora-geral do Câmpus Palhoça Bilíngue, Simone Gonçalves de Lima da Silva; da chefe do Departamento de Ensino, Pesquisa e Extensão do Câmpus Palhoça Bilíngue, Bruna Crescêncio Neves; da coordenadora do curso de licenciatura em Pedagogia Bilíngue Libras-Português EaD, Veridiane Pinto Ribeiro; e da coordenadora de articulação da EaD do IFSC, Maria da Glória da Silva e Silva, entre outras autoridades presentes.

Maria da Glória foi a primeira a fazer uso da palavra, ressaltando o crescimento da oferta de cursos EaD no IFSC. "Atualmente, o programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) está implementando 16 cursos em oito câmpus do IFSC. São 2,3 mil novas vagas entre 2024 e 2026, entre cursos de licenciatura, cursos superiores de tecnologia e também cursos de especialização, principalmente na área de formação de formadores. O material didático foi preparado com muito cuidado pelos professores e pela equipe multidisciplinar. As equipes estão com força total para caminhar ao lado de vocês no ambiente de aprendizagem virtual. Nosso desejo é que a experiência de vocês no curso seja capaz de transformar cada um de vocês, impulsionando seus objetivos de vida e ao que vieram procurar aqui no IFSC", disse a professora.

A diretora-geral do Câmpus Palhoça Bilíngue, Simone, primeira diretora surda de um câmpus da rede federal, falou do marco que é o início da aula no formato EaD. "Hoje marca um momento muito importante, que mostra o resultado do nosso trabalho e do movimento social dos surdos. É um movimento que já acontece há muitos anos, desde a inauguração do Câmpus Palhoça Bilíngue, há 12 anos. É um sonho antigo que tem como objetivo ajudar na formação de profissionais  e de professores da Educação Básica que tenham essa qualidade na sua formação, que tenham também consciência dos direitos linguísticos das crianças surdas, para que eles tenham a Libras como língua de instrução e também a escrita e o aprendizado da Língua Portuguesa."

"Com a construção da escola bilíngue, esse curso tem para nós uma importância além da que já é", afirmou  Jacqueline Policarpo, secretária municipal da Educação de Laguna, referindo-se à primeira escola básica bilíngue Libras-Português de Santa Catarina, cuja construção começou este ano, em Laguna e atenderá crianças surdas de toda a região. "É a oportunidade que nós temos de formar profissionais da nossa região com excelência", destacou. A cidade de Laguna é um dos três polos de aulas presenciais do curso - os outros dois são em Chapecó e Joinville, abrangendo assim três grandes regiões de Santa Catarina.

O prefeito Peterson Crippa da Silva também falou da conquista que foi para a comunidade surda a definição da cidade como polo do curso. "Temos muita vontade de avançar nas políticas públicas que atendem e atenderão a todos. Fico contente que as políticas públicas avancem".

A pró-reitora Eliana, que é ex-diretora do Câmpus Palhoça Bilíngue, relembrou um pouco da história da educação de surdos em Santa Catarina. "É simbólico que essa aula inaugural seja na Udesc. A Udesc foi a primeira oferecer um curso de Pedagogia para surdos, a professora Simone, que está aqui conosco, foi aluna, se formou  nesse curso. Foi o primeiro curso a pensar em um currículo de formação de professores que entendessem a língua de sinais, antes mesmo de uma regulamentação, de forma vanguardista", disse. "O curso de Pedagogia Bilíngue (Libras-Português) começou  ser ofertado em 2017 no IFSC. Então, esse currículo que vocês estão recebendo, ele já foi testado, ele já foi reavaliado diversas vezes, e, em 2021, em diálogo com Laguna, que receberia uma escola bilíngue de surdos, o câmpus retoma o seu compromisso de, onde houver uma escola bilíngue, nós temos que ter formação de professores".

Em seguida, as professoras Bruna e Veridiane fizeram a apresentação do curso. "Faltam profissionais da Educação Básica que consigam adquirir a Libras e consigam passar isso para os alunos, crianças surdas que crescem sem ter contato com a sua língua. E nós precisamos mudar isso. E vocês vão ter esse compromisso e essa responsabilidade. Para quando uma criança surda chegar, encontrar um profissional que saiba Libras e possa saber 'como eu vou ensinar esse aluno surdo? Qual a metodologia que eu vou escolher para ensinar Português como segunda língua? Como esse aluno aprende?", afirmou Bruna.

"Foi um curso muito trabalhoso, construído na base do suor de muitas pessoas. E ainda não acabou. Eu agradeço imensamenta a todos que trabalharam arduamente", destacou Veridiane, ao apresentar o ambiente virtual de aprendizagem. Ela também apresentou um vídeo com os números desse trabalho: 19 conteudistas´e mais de 500 páginas produzidas apenas para o primeiro semestre. "Durante os próximos anos, seguiremos produzindo material para completar o curso".

Impacto em Laguna

A coordenadora do Polo Uab de Laguna, Maria de Lourdes Correia, afirmou ser uma honra receber o curso no polo, coroando uma discussão que se estende desde de 2021. "Quando soubemos que seria construída a escola bilíngue, começamos as tratativas com o Câmpus Palhoça Bilíngue para formar professores", relembra Maria de Lourdes.

A escola bilíngue para surdos é uma conquista creditada principalmente à Associação de Surdos da Região de Laguna (Assul), presidida por Crisiane Bez Batti, que também prestigiou o evento. "A escola bilíngue que está em construção aqui em Palhoça deve atender entre 150 a 180 alunos do primeiro ao nono ano e é uma grande vitória para nós. A escola é a base da comunicação, da educação e da integração. E sempre tivemos essa preocupação com a consciência linguística e  fluência dos professores. Vai ser muito bom termos profissionais qualificados", afirma Crisiane.

A aula inaugural está disponível no canal do IFSC no Youtube.

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