Medicina Nuclear: qual a contribuição para o diagnóstico e tratamento de doenças?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 29 abr 2025 14:54 Data de Atualização: 29 abr 2025 18:56

A Medicina Nuclear é um ramo da Medicina que abrange diagnóstico e tratamento de doenças por meio do uso de radiofármacos, que são a união de um fármaco sem ação farmacológica e um elemento radioativo, utilizados em exames diagnósticos para visualização da fisiologia (funcionamento) dos órgãos ou para tratamentos de algumas doenças, como tipos específicos de câncer.

Trata-se de uma técnica diferente da radioterapia, mais difundida, principalmente no tratamento contra o câncer: na radioterapia, o equipamento emite a radiação que vai atuar sobre o tumor do paciente, de “fora para dentro”. Na Medicina Nuclear, o radiofármaco, após ser administrado (injetado ou via oral) no paciente, libera energia, que é captada por equipamentos externos, “de dentro para fora”, no caso de diagnósticos que envolvem a  fisiologia dos órgãos. 

Conversamos com a professora do curso superior de tecnologia (CST) em Radiologia e do mestrado profissional em Proteção Radiológica, Tatiane S. C. Camozzato, sobre as potencialidades dessa área e as pesquisas desenvolvidas no Câmpus Florianópolis. Tecnóloga em Radiologia, a professora Tatiane é mestre em Fisiologia e doutora em Ciências da Saúde. 

Você vai ver a seguir:

  • O que são radiofármacos?
  • Quando surgiu a Medicina Nuclear?
  • Para que tipos de tratamento esses radiofármacos são indicados? 
  • O que são radiofármacos de meia vida longa e meia vida curta?
  • Quais as vantagens e riscos em relação aos tratamentos convencionais?
  • Qual o cenário da Medicina Nuclear no Brasil?
  • Os profissionais formados no IFSC estão capacitados para atuar com essa área do conhecimento?

O que são radiofármacos?

A Medicina Nuclear utiliza medicamentos chamados radiofármacos, que são injetados no paciente com o intuito de obter imagens diagnósticas ou tratar algumas doenças específicas. Os radiofármacos são a união de um fármaco que não tem ação farmacológica e um radionuclídeo, formando um traçador radioativo que é usado em exames como cintilografia ou PET-CT para marcar determinada estrutura de um órgão. 

O diagnóstico por Medicina Nuclear é utilizado para verificar a fisiologia do paciente, ou seja, o funcionamento dos órgãos. Segundo a professora Tatiane, “quando a gente quer imagem anatômica, imagem bonita do ponto de vista estrutural, a gente usa outras imagens, como ressonância, tomografia. A medicina nuclear mostra o funcionamento, que é a fisiologia. E também é usada em tratamentos, não só no diagnóstico”. 


Quando surgiu a Medicina Nuclear?

A Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN) informa que essa especialidade surgiu em 1923, a partir de experimentos do químico George de Hevesy. A partir de 1956, houve uma evolução, com a introdução da técnica de radioimunoanálise. Em 1972, a Organização Mundial de Saúde definiu a Medicina Nuclear como a especialidade que “engloba aplicações de materiais radioativos no diagnóstico, terapia e pesquisa”. Segundo a SBMN, “desde então, essa disciplina tem se desenvolvido continuamente, desempenhando um papel cada vez mais crucial na medicina, especialmente no âmbito do diagnóstico”.

A professora Tatiane explica que, no Brasil, a Medicina Nuclear se originou com o iodo-131, utilizado em tratamentos da glândula tireoide, como o hipertireoidismo e o câncer de tireoide. Após alguns anos começou a se destacar a cintilografia do miocárdio, um tipo de exame muito utilizado para diagnóstico de problemas do coração. Em seguida surgiu a Tomografia por Emissão de Pósitrons e Tomografia Computadorizada (PET-CT), utilizada no diagnóstico de vários tipos de tumores. 

Atualmente, as pesquisas e usos estão voltados aos teranósticos, ou seja, radiofármacos utilizados tanto no diagnóstico quanto em terapias, entre eles o próprio iodo-131, amplamente aplicado no tratamento de problemas da tireoide, como hipertireoidismo ou tumores.

Para que tipos de tratamento esses radiofármacos são indicados? 

A utilização de radiofármacos é dividida em duas vertentes: diagnóstico e tratamento. No diagnóstico, além de detectar precocemente vários tipos de doenças, os radiofármacos permitem o monitoramento mais preciso de alguns tratamentos. A professora Tatiane explica que os radionuclídeos são associados a fármacos que “levam” o radiofármaco até o órgão a ser examinado. Alguns exemplos de diagnóstico são cintilografia óssea, da tireoide, pulmonar e  renal.

Na área das terapias, o paciente  que recebe uma dose do iodo-131 precisa ficar internado em um quarto de isolamento com blindagem específica até que a taxa de exposição atinja os limites previstos em legislação para a alta radiométrica.  Além de tratamentos para tireoide, os radiofármacos são utilizados para outras  doenças, como alguns casos específicos de câncer de próstata, neoplasias neuroendócrinas, metástase óssea e tumores do fígado.
Para saber mais sobre o uso e pesquisas com radiofármacos, acesse os livros organizados pela professora Tatiane e estudantes do Câmpus Florianópolis disponíveis no Portal do IFSC: Medicina Nuclear na Prática e Terapias em Medicina Nuclear.

O que são radiofármacos de meia vida longa e de meia vida curta?

A meia-vida dos radiofármacos é um fator importante em suas aplicações. Radionuclídeos com meia-vida curta, como o tecnécio 99 e o flúor 18 (FDG), são ideais para diagnóstico, pois a radiação é eliminada rapidamente do corpo do paciente. Segundo a professora Tatiane, 80% dos exames em Medicina Nuclear utilizam o tecnécio 99m, que tem meia-vida baixa, uma energia pura e é facilmente obtido nas clínicas por um gerador fornecido pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).

Já o flúor 18, utilizado em exames PET-CT, tem uma meia-vida muito curta, exigindo produção e entrega rápidas por meio de equipamentos chamados cíclotrons. Por exemplo, a Clínica Bionuclear, em Florianópolis, que realiza esse tipo de exame, recebe o Flúor 18 do cícloton de Curitiba. A Bionuclear é a clínica com a qual o IFSC mantém convênio para pesquisas e estágio dos estudantes do CST em Radiologia e do mestrado em Proteção Radiológica.

A professora Tatiane cita a pesquisa do egresso do CST em Radiologia e do mestrado em Proteção Radiológica, Pietro Paolo de Barros, que desenvolveu uma ferramenta que calcula o tempo em que o iodo 131 permanece no corpo do paciente, levando em conta vários fatores, como ingestão de água, índice de massa corpórea, atividade do radiofármaco, entre outros. Essa ferramenta permite que a terapia dos pacientes seja melhor planejada e reduza o tempo em que o paciente permanece isolado, melhorando a qualidade de vida e a gestão do serviço de saúde. 

A dissertação de mestrado do Pietro, "Análise da Radiometria Realizada em Pacientes Submetidos à Radioiodoterapia", resultou no artigo “Analysis of Radiometry on Patients Undergoing Radioactive Iodine Therapy”, publicado no Journal of Nuclear Medicine Technology B2 - Med II), que conquistou o 3º lugar no prêmio Editor’s Choice do Journal of Nuclear Medicine Technology. O prêmio, concedido pelos editores da revista, reconhece os melhores artigos do ano e é promovido pela Society of Nuclear Medicine and Molecular Imaging Technologist Section (SNMMI-TS). Pietro foi convidado a participar da cerimônia de premiação durante o congresso anual da sociedade, nos Estados Unidos, em 2016, recebendo uma placa comemorativa e um prêmio em dinheiro no valor de 450 dólares. Pietro foi orientado pela professora Tatiane e pelo professor Flávio Soares.

Atualmente, Pietro reside no Canadá, onde atua em dois importantes centros na área de Radiologia: o St. Paul’s Hospital e o centro de pesquisa clínica da University of British Columbia (UBC), consolidando uma carreira internacional e levando o nome do IFSC e do mestrado para além das fronteiras brasileiras.

Quais as vantagens e riscos em relação aos tratamentos convencionais?

O uso da Medicina Nuclear envolve a avaliação do benefício diagnóstico ou terapêutico em relação ao mínimo risco de exposição à radiação.

Apesar de envolver material radioativo, os radiofármacos são bastante seguros, pois são administrados em doses muito baixas, calculadas individualmente para cada paciente. A professora Tatiane exemplifica: “Quando a gente pensa num radiofármaco administrado na pessoa e comparamos uma tomografia que usa meios de contraste, esses meios de contraste têm muitas reações adversas. Já os radiofármacos praticamente não trazem reações adversas”.

Em pesquisa realizada para o livro Medicina Nuclear na Prática, Tatiane e os estudantes pesquisaram os efeitos adversos possíveis na utilização de radiofármacos, todos raros ou raríssimos. 

Mesmo sendo um tipo seguro de terapia, a Medicina Nuclear envolve alguns riscos, especialmente para mulheres grávidas, sob risco de má formação do feto. Outros cuidados dizem respeito aos pacientes que têm ao receber esses medicamentos e ficam com alguma radioatividade no corpo, o que é manejável com a orientação profissional. 

Qual o cenário da Medicina Nuclear no Brasil?

Segundo a professora Tatiane, o Brasil tem avançado na Medicina Nuclear, porém, há uma disparidade entre a oferta de tratamento e diagnóstico na rede privada e no Sistema Único de Saúde (SUS). “São tratamentos bastante caros, e temos dificuldade de tê-los no SUS, mas o paciente que tem condições financeiras ele tem acesso a esses tratamentos nos grandes centros, inclusive aqui em Florianópolis", destaca. O SUS fornece, basicamente, a iodoterapia e alguns tipos de exames diagnósticos. 

A professora lembra que um grande entrave no Brasil é a dependência da importação de insumos para a produção dos radiofármacos, o que frequentemente leva a problemas de desabastecimento e oscilações de preço de acordo com o mercado internacional. Há alguns anos o Brasil vem investindo no projeto do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), que daria ao país a autonomia na produção de radiofármacos, porém, o projeto ainda está sem data de início das atividades. 

A regulação e a produção de radiofármacos no Brasil está ao encargo da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), sendo a sua principal unidade produtora o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, além de outras unidades espalhadas pelo Brasil.
Segundo a própria CNEN, em 2022 existiam 432 serviços de Medicina Nuclear no Brasil. É a CNEN que autoriza o funcionamento de clínicas e hospitais que atuam com a Medicina Nuclear, que necessitam ter um supervisor de proteção radiológica e responsável técnico, profissionais certificados pela própria CNEN. 

Os radiofármacos fornecidos pela CNEN propiciam a realização de aproximadamente um milhão e meio de procedimentos de medicina nuclear por ano, sendo que aproximadamente 30% têm cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS). O portfólio de produtos da CNEN conta atualmente com 38 radiofármacos fornecidos para a área médica (acesse a página da CNEN e saiba mais). Em 2006 houve um avanço, com a quebra do monopólio do fornecimento do flúor 18, utilizado em exames de PET-CT, o que permitiu a entrada de produtores privados neste segmento.

A professora Tatiane explica que o Brasil é um dos países da América Latina com menos número de serviços de  Medicina Nuclear, com Estados que não possuem nenhum serviço desse tipo. Porém, apesar disso, “é uma área que tende a crescer, que tem muito espaço ainda, e que muitas pessoas não têm acesso aos exames de Medicina Nuclear, que salvam vidas. São produtos caros em qualquer lugar do mundo, e como a gente não produz a maioria dos insumos, só importa, chega caro aqui também”. 


Os profissionais do IFSC estão capacitados para atuar com essa área do conhecimento?

O IFSC disponibiliza disciplinas de Medicina Nuclear tanto na graduação quanto no mestrado, além de outras disciplinas correlatas, como anatomia, fisiologia e proteção radiológica. Os estudantes são capacitados com conhecimentos teóricos e práticos sobre os radiofármacos, técnicas de diagnóstico e tratamento, além das diferenças entre medicina nuclear e radioterapia. 

A professora Tatiane incentiva os alunos a desenvolverem Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) em projetos de Medicina Nuclear, o que facilita na hora de buscar estágio na área. Ela destaca que muitos egressos do curso superior de tecnologia em Radiologia do IFSC atuam em clínicas de Medicina Nuclear em Santa Catarina. Na Clínica Bionuclear, os estudantes realizam estágio e muitos egressos já foram contratados. 

Já o Mestrado Profissional em Proteção Radiológica do IFSC oferece a disciplina de Proteção Radiológica em Medicina Nuclear. O programa de pós-graduação tem como foco a pesquisa aplicada e a melhoria da prática profissional na área da proteção radiológica. A professora explica que “o mestrado busca que os alunos tragam demandas de seus locais de trabalho para desenvolver projetos que melhorem o dia a dia dos serviços”.

Trata-se de uma área promissora para os profissionais formados no IFSC, aptos a desenvolverem pesquisas e atuarem nas mais diversas atividades que fazem parte da Medicina Nuclear. Tatiane expressa o desejo de motivar os alunos a prestarem o exame da CNEN para se tornarem supervisores de proteção radiológica, uma função importante dentro dos serviços de Medicina Nuclear.

Como estudar no IFSC

Para quem tem interesse em estudar ou desenvolver projetos de pesquisa em Medicina Nuclear, os cursos do IFSC, no Câmpus Florianópolis, são:

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