Racismo, inclusão e ações afirmativas são desafios na sociedade e na educação pública

SEPEI Data de Publicação: 21 ago 2024 19:49 Data de Atualização: 21 ago 2024 19:58

Racismo ambiental, estrutural e institucional, diversidade, igualdade racial, equidade e políticas de inclusão foram temas norteadores de duas atividades na manhã desta quarta-feira (21 de agosto), na programação do 10º Seminário de Ensino, Pesquisa, Extensão e Inovação (Sepei 2024). As mesas-redondas “Racismo ambiental” e “Desafios e perspectivas na busca pela igualdade racial e respeito pela diversidade” foram realizadas em sequência, no Auditório do Câmpus São Miguel do Oeste, sede do evento, e proporcionaram reflexões sobre a questão racial e étnica no cotidiano das universidades e institutos federais, provocadas pelas falas de convidados externos que estudam essa temática e atuam na área.

A líder quilombola Elizabete Aparecida de Lima, da comunidade Invernada dos Negros, ressaltou que o racismo deve ser considerado sob três vieses: o estrutural, o ambiental e o institucional. Falar de racismo ambiental, aponta, envolve um olhar para a interseção entre a questão racial e os problemas ambientais, como aqueles decorrentes das mudanças climáticas. Consequências dessas mudanças, como estiagens, enxurradas e eventos extremos, atingem de maneira mais incisiva as populações mais pobres, entre as quais grande contingente é de pessoas negras.

“Quando o racismo é etrutural, as pessoas negras e indígenas são deixadas de lado e têm seus direitos mais básicos negados, como acesso à educação, água e luz”, exemplificou Elizabete, que é pedagoga formada pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoeste). Ela afirmou também que racismo e questão ambiental são assuntos que devem ser tratados de forma articulada dentro das universidades e institutos federais, em sala de aula e em ações de ensino, pesquisa e extensão, envolvendo servidores e estudantes que se identifiam com essas populações. “Temos cotas, mas onde estão essas pessoas nos bancos escolares?”, provocou. Elizabete destacou a luta para que o processo educacional chegasse na comunidade Invernada dos Negros, o que aconteceu em 2016. Educação e alfabetização são processos importantes para que os povos quilombolas resgatem e registrem as histórias de sua ancestralidade. “Existimos, resistimos e persistimos porque temos uma história que tem que ser contada por nós”, disse Elizabete. 

Integrante da etnia Kaingang, terceiro maior grupo indígena do Brasil, o pesquisador Duko Vãnfy ressaltou a relevância do tema do racismo ambiental, que afeta principalmente o que ele chamou de “classes minorizadas” - as mais afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas. Pesquisador de literatura indígena e mestre em Educação pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), destacou também que a demarcação de territórios indígenas foi um direito conquistado na Constituição Federal de 1988, mas ainda há dificuldades nesse âmbito. O povo Kaingang tem mais de 70 mil integrantes, no território entre o noroeste do Rio Grande do Sul e o Sul de São Paulo. 

Doutor em Sociologia e pesquisador de estudos decoloniais, Cássio Cunha Soares contextualizou a questão do racismo ambiental na relação com as ocupações europeias dos territórios que hoje são os países da América do Sul, há mais de 500 anos, e o desenvolvimento do modo de produção capitalista. “Nesse modelo, a natureza é vista como recurso, como insumo, e o ser humano é um recurso de trabalho”, salientou. A partir da época das navegações e dos processos de colonização, deu-se a racialização e a generificação da humanidade - ou seja, a definição de pessoas não-brancas e não-homens como “índios”, indígenas, negros e mulheres corresponde à categorizações genéricas, inventadas para diferenciar e discriminar povos heterogêneos diversos. Trata-se de um processo de dominação instituído numa sociedade verticalizada, hierarquizada e dividida em classes sociais.

Ações afirmativas e gestão pública

Na sequência, a mesa “Desafios e perspectivas na busca pela igualdade racial e respeito pela diversidade” reuniu dois gestores negros de universidades públicas que vêm desenvolvendo ações afirmativas nas políticas de acesso, permanência e êxito. O professor Gustavo Henrique Araújo Forde, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), destacou conquistas recentes como o aumento da presença da população negra nas universidades, a ampliação de temas de pesquisa, currículo e bibliografias, o crescimento na formação de pesquisadores negros e a centralidade no debate das ações afirmativas na agenda política.

Porém, há ainda obstáculos culturais, como os efeitos da tradição escravocrata, colonial e eurocêntrica do Brasil, a centralidade da branquitude nos cargos e espaços de poder e a posição majoritária da sociedade brasileira frente a ações de equidade étnico-racial - ou seja, priorizam-se ações coadjuvantes, e não estruturantes. Para Forde, as ações afirmativas devem ser princípios éticos orientadores da gestão. Uma iniciativa da UFES nesse sentido foi a inclusão do tema no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), que contempla ações afirmativas nas áreas estratégicas do ensino, pesquisa, extensão, assistência e gestão.

Pró-reitora de Ações Afirmativas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Marilise Luiza Martins dos Reis Sayão resgatou as iniciativas da instituição, desde 2008, na busca da institucionalização de ações afirmativas. Inicialmente, o foco era ampliar o acesso de negros e indígenas; a partir de 2016 incluiu-se a pauta da diversidade e, em 2022, o setor ganhou status de pró-reitoria. Marilise atribui o avanço à política da atual gestão da UFSC, que tem a vice-reitora Joana Célia dos Passos, mulher negra, como incentivadora. A pró-reitora ressaltou também que é importante ter clareza dos significados de inclusão (ações que proporcionam acesso igual de participação, direitos e oportunidades a todas as pessoas), diversidade (pluralidade de culturas, identidades, formas de pensar, experiências e trajetórias que podem ser encontradas em um mesmo espaço) e equidade (garantia de tratamento diferenciado em igualdade de condições e oportunidades).

As mesas-redondas realizadas na manhã desta quarta-feira foram transmitidas ao vivo pelo canal do IFSC no YouTube. Assista às gravações:
 

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