Precisamos de carne?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 28 mai 2025 15:38 Data de Atualização: 29 mai 2025 11:56

O debate sobre o consumo de carnes tem ganhado força nos últimos anos diante do crescimento de pessoas que não comem carne (vegetarianas) ou não usam qualquer produto que tenha origem animal ou seja testado em animais (veganas). A busca por uma alimentação mais saudável e preocupações com o bem-estar animal e com o meio ambiente estão entre os motivos que levam à adoção dessas práticas.

Em pesquisa encomendada pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) em 2018, um total de 14% dos entrevistados disse ser vegetariano. Esse percentual é 75% maior que o registrado em outra pesquisa do mesmo instituto em 2012. 

Ao mesmo tempo, a produção mundial de carnes segue crescente. Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) apontam que essa produção quintuplicou entre 1961 e 2023 (de 71 milhões de toneladas para 362 milhões em 2023). Além do aumento da população do planeta (que passou de cerca de 3 bilhões em 1960 para aproximadamente 8 bilhões em 2022), a maior demanda pelas carnes decorre principalmente do aumento do poder aquisitivo das populações - em geral, quanto mais rico o país, maior o consumo de carne per capita.

As carnes fizeram parte da dieta de nossos antepassados há cerca de 5 milhões de anos e continuaram sendo consumidas pelas diferentes espécies de seres humanos - incluindo a nossa, a Homo sapiens. Elas são uma rica fonte de proteína, nutriente que atua na construção dos nossos músculos, tecidos e ossos. A produção de carnes também é relevante para as economias brasileira e catarinense, ao mesmo tempo que tem impactos ambientais, como a perda da biodiversidade e a emissão de gases do efeito estufa. . 

Para abordar os diferentes aspectos sobre o consumo de carne, conversamos com cinco especialistas:

- Andrea Rita Marrero, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestra e doutora em Genética e Biologia Molecular. Ministra a disciplina “Evolução Humana” no curso de graduação em Biologia;

- Eduardo Silveira, professor de Biologia do Câmpus Florianópolis do IFSC. Mestre e doutor em Educação;

- Luciano Heusser Malfatti, professor do Câmpus Canoinhas do IFSC. Graduado em Química Industrial dos Alimentos, mestre em Ciência e Tecnologia dos Alimentos;

- Milene Marquezi, professora do Câmpus Xanxerê do IFSC. Mestra e doutora em Ciência e Tecnologia dos Alimentos;

- Roberta Garcia Barbosa, professora de Produção Alimentícia do Câmpus São Miguel do Oeste do IFSC. Mestra e doutora em Ciência de Alimentos. Tem experiência profissional com pesquisa e desenvolvimento em um frigorífico produtor de carne suína. 
 

O ser humano precisa comer carne?

O consumo de carne é comum a todos os primatas - grupo de mamíferos no qual o ser humano está inserido, além de macacos e lêmures, por exemplo - e está presente desde os nossos ancestrais que viveram há aproximadamente 5 milhões de anos. Isso não quer dizer que somos carnívoros, mas sim “onívoros”, pois consumimos alimentos de origem animal e vegetal.

A professora Andrea Rita Marrero, da UFSC, explica que nosso corpo adaptou-se a uma dieta onívora. Os dentes e o sistema digestório dos seres humanos são adaptados para a onivoria. “Sempre tivemos esse hábito onívoro, no qual comer alguma carne que traz bastante proteína era uma excelente opção para chegar aos melhores níveis nutricionais”, conta. 

Embora algumas hipóteses, como o de que o cérebro humano desenvolveu-se por causa do consumo de carne, não tenham comprovação científica, Andrea destaca que o consumo de carne teve impacto na forma como o ser humano passou a se organizar em grupos e depois em sociedades mais complexas para caçar e proteger de outros predadores os alimentos obtidos.

Além disso, saciar mais rapidamente as necessidades de proteína permitiu ao ser humano mais tempo livre, pois não precisava mais passar muito tempo coletando alimentos, o que colaborou com o desenvolvimento do pensamento e das artes, entre outros.

O principal nutriente que as carnes nos fornecem é a proteína. Elas possuem uma concentração maior de proteína que alimentos de origem vegetal. Além disso, a proteína de origem animal possui aminoácidos que não são encontrados nos vegetais.

Outro nutriente que se encontra nos produtos de origem animal - incluídos aí leite e ovos - é a vitamina B12, que atua na produção de energia das células e na manutenção e do reparo de componentes do sistema nervoso. Por fim, os peixes fornecem a ômega-3, um tipo de gordura considerada “boa”.

“Ela [ômega-3] está relacionada também com o sistema nervoso central. Então, ela também é boa para a saúde cardiovascular e a saúde do nosso coração, do nosso cérebro, porque ela facilita que a gente fique mais concentrado, melhorando o aprendizado, a saúde ocular…”, explica Milene Marquezi, professora do Câmpus Xanxerê do IFSC. Ela lembra que oleaginosas, como as nozes, também são fonte de ômega-3.

No vídeo, os professores detalham como a proteína e a vitamina B12 agem no organismo e o que é preciso ficar atento se você deixar de consumir produtos de origem animal:
 

 

Uma dieta sem carne é mais ou menos saudável?

Há vários exemplos de esportistas veganos e vegetarianos, como o jogador de futebol Lionel Messi e o piloto Lewis Hamilton, da Fórmula 1, o que indica que é possível manter mesmo uma vida de atleta sem consumir carne ou outros produtos de origem animal. No entanto, como visto no vídeo, a suplementação de nutrientes provavelmente será necessária. Outro cuidado que deve ser tomado inclui observar a quantidade de carboidratos ingeridos.

O professor Luciano Heusser Malfatti, do Câmpus Canoinhas do IFSC, alerta que os grãos possuem muito amido, que é um carboidrato. “Se eu escolher uma nutrição excludente de proteínas animais, eu vou ter que comer uma quantidade de grãos ou de cereais muito grande. Então eu estaria consumindo muito mais calorias numa dieta vegana para poder ter a quantidade de proteínas necessárias do que uma dieta não vegana”, afirma. O consumo excessivo de carboidratos pode piorar o índice glicêmico (“açúcar no sangue”), causar aumento de peso corporal e trazer problemas de saúde como obesidade e diabetes.

A professora Roberta Garcia Barbosa, do Câmpus São Miguel do Oeste do IFSC, destaca ainda a questão do ferro: “apesar de os vegetais possuírem esse composto químico na sua composição, o ferro da carne e dos outros produtos de origem animal é um ferro que vai ser muito mais absorvido pelo nosso corpo. Então, apesar de ele estar em menor quantidade na carne, a sua absorção e a sua ação no corpo, ela é muito mais efetiva.”

Roberta  ressalta a importância de um acompanhamento com nutricionista e médico ao optar por uma alimentação que exclui carne e derivados. 

Por outro lado, quem consome carne e derivados deve ficar atento ao teor de gordura, principalmente de alguns cortes da carne bovina e dos embutidos, nos quais são adicionadas gorduras no processamento.

“Vamos fazer uma picanha num churrasco, a gordura que vai dar o sabor para a carne, mas não é adequado a gente consumir aquela quantidade de gordura. Porque tem o risco de doenças cardiovasculares que estão envolvidas com o consumo de gordura saturada. Então, o consumo de carne é benéfico, mas sempre preferir aquelas carnes que sejam mais magras, que não tenham tanta gordura saturada na sua composição", explica a professora Milene Marquezi, do Câmpus Xanxerê do IFSC.

 

Derivados de carne têm a mesma qualidade nutricional da carne in natura?

Não. O processo de industrialização e conservação pode levar à perda de nutrientes presentes na carne in natura, além de adicionar substâncias que fazem mal ao organismo, como gordura saturada e sódio.

Confira no quadro abaixo as principais diferenças entre carne in natura e as processadas.

 

O quanto a carne significa para a economia brasileira?

O setor de carnes - bovina, suína e de frango - representa cerca de 31% do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio brasileiro, sendo que o Brasil é o segundo país do mundo que mais produz carnes bovina e de frango e o que mais exporta.

A professora Roberta Garcia destaca o quanto o setor representa para algumas regiões, como o Oeste de Santa Catarina: “além dos frigoríficos, tem uma grande cadeia de pessoas que necessitam deste setor para a sobrevivência. Desde a produção dos grãos para ração animal até todo o setor de transporte e logística. Então é a base daqui da nossa economia. Se um frigorífico fecha em muitas cidades de 30, 40 mil habitantes, a economia para.” 

Segundo a professora do IFSC, um grande frigorífico pode ter até 2 mil pessoas trabalhando nele.

Roberta comenta, ainda, que o consumo de carne geralmente reflete o poder aquisitivo de uma população. “A gente tem essa relação cultural muito forte com o consumo de carne, principalmente de carne bovina. Então, nós poderíamos dizer que numa hierarquia alimentar, quem consome mais carne bovina estaria, então, com uma condição sócio econômica mais forte em função do custo que a gente tem”, diz. 

“A gente tem uma simbologia forte no consumo da carne em relação a até mesmo aspectos econômicos. Significa que se está bem economicamente, que se pode fazer um churrasco e pode comprar a carne e comemorar”, complementa o professor Eduardo Silveira, do Câmpus Florianópolis do IFSC.

O aumento do poder aquisitivo pode ser um dos fatores que explica o crescimento no consumo de carnes, mesmo que proporcionalmente haja mais veganos e vegetarianos na população a cada ano.
 

 

A produção de carnes impacta o meio ambiente?


Se no passado distante de milhares de anos nossos ancestrais não se preocupavam em refletir sobre o bem-estar das presas que caçavam na luta pela sobrevivência, hoje são cadas vez mais numerosas as vozes que se levantam contra métodos de criação e abate de animais que consideram cruéis e contra impactos da produção de carnes para o meio ambiente.

“O ser humano está olhando o animal de outra forma, olhando o consumo de carne de outra forma”, diz o professor Eduardo Silveira, que leciona Biologia no Câmpus Florianópolis do IFSC. Segundo ele, as pessoas passaram a ver os animais como seres que precisam de uma ética na nossa relação com eles. 

“A gente tem hoje acesso à informação muito mais fácil. Então, quem quer pesquisar e se envolver com esse tipo de temática tem bastante possibilidade para fazer isso”, explica Eduardo.

Além dos animais usados pela indústria, a produção de carnes pode ter impacto também para o meio ambiente. Em 2016, o setor agropecuário era responsável por 69% das emissões de gases causadores do efeito estufa no Brasil, segundo levantamento do Observatório do Clima, uma rede de entidades ambientalistas da sociedade civil.  Estão incluídos nesse percentual os poluentes decorrentes do processo digestivo dos rebanhos, o uso de fertilizantes e o desmatamento para abertura de novas áreas para a atividade econômica.

A professora Roberta Garcia Barbosa avalia que diminuir o consumo de carne pode ser benéfico para o meio ambiente, ao diminuir gases do efeito estufa, o consumo de água e o uso de fertilizantes e pesticidas em toda a cadeia produtiva da carne, incluindo a produção de milho e soja para ração. Segundo ela, alguns autores apontam que são necessários até 1.800 litros de água para produzir 1kg de carne bovina e 500 litros para produzir 1kg de carne de frango - número que pode variar dependendo da pesquisa e dos autores.

“Se a gente consegue diminuir ou tirar [o consumo de carne] um dia por semana, por exemplo. Imagine que efeito teria isso no nosso meio ambiente. Então, tem que começar a pensar em cada um fazer a sua parte. Eu discuto muito isso com os alunos”, conta. 

O professor Luciano Heusser Malfatti tem uma visão diferente e comenta que, nas últimas décadas, o Brasil aumentou o seu rebanho bovino ao mesmo tempo em que diminuiu a área necessária para a pecuária. Entre os motivos para isso, estão o melhoramento genético do pasto e dos próprios animais - por meio de cruzamentos, criam-se raças que produzem mais carne por quantidade de pasto consumido. “Eu diria que essa parte ambiental, de desmatamento, é mais falta de políticas públicas adequadas do que realmente para produção de pasto”, opina.

Luciano aponta, ainda, que o sistema de produção de gado no Brasil gera menos gases do efeito estufa que o de países como os Estados Unidos.”Se for pegar todo o ciclo de carbono, a gente tem créditos em carbono ainda. O Brasil é o país que mais possui créditos de carbono com a pecuária. No Brasil, a maior parte do gado é criada a pasto. Lá [nos Estados Unidos] não, até pelo clima, em alguns lugares, eles criam o gado mais confinado”, explica. 

Com relação à poluição de rios, a professora Roberta Garcia Barbosa comenta que existem diversas leis que abordam o tratamento de água e de efluentes de resíduos sólidos que os frigoríficos devem cumprir. “Isso é muito cobrado pela vigilância e pelos órgãos de fiscalização, que são responsáveis por cobrar esses padrões. Então, muitas vezes, a água que é retirada do rio quando ela volta para o meio ambiente após ser utilizada dentro do frigorífico, ela está com condições iguais ou até melhores do que foram retiradas”, afirma.

Por outro lado, segundo Luciano Malfatti, 98% da água usada na criação de gado é a chamada “água verde”, proveniente principalmente de chuvas. “Então, se você eliminar essa água verde, pegar só a água azul [que vem lagos e rios] e a água cinza [desperdiçada],a carne está bem atrás de muitos outros sistemas produtivos como de ervilhas, como de feijão, como de soja”, diz.

A queda na biodiversidade é outro problema que pode ser causado pela produção de carnes. Hoje no Brasil existem aproximadamente 238 milhões de cabeças de gado - dado de 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -, o que faz de bois e vacas os mamíferos mais numerosos do território brasileiro. Os galináceos (galos e galinhas) são ainda mais numerosos, chegando a 1,5 bilhão. Há ainda no país grande quantidade de porcos (cerca de 44 milhões), ovelhas (21 milhões), codornas (14 milhões) e cabras (12 milhões), entre outros. Esses animais estão ocupando espaços onde antes havia matas e florestas e uma diversidade maior de seres vivos.

“Quando a gente começa a ter perda de biodiversidade, a gente começa a ter ambientes mais instáveis e ambientes mais frágeis, ecossistemas mais fragilizados. Então, você começa a ter um colapso do funcionamento desse sistema, que estava em equilíbrio ali e isso começa a ter impactos que a gente dificilmente consegue mensurar todos eles”, diz Eduardo Silveira. 

Eduardo acredita que os sistemas de produção de carnes precisam ser repensados para diminuir os impactos ambientais. Visão parecida tem a professora Andrea Rita Marrero, da UFSC, para quem “nós temos o recurso na mão de poucos e esses poucos utilizam sistemas extrativistas extremamente agressivos”. “A gente come o que esses poucos decidem. Essa é a verdade”, afirma.

 

Para saber mais

Como vimos, o debate sobre o consumo de carne envolve diversos fatores e não há uma resposta única, nem fácil. O  IFSC possui diversos cursos, em diferentes níveis, que abordam temas relacionados a agropecuária, alimentos, produção de carnes, nutrição e meio ambiente, nos quais os vários aspectos relacionados ao consumo de carne podem ser aprofundados pelos estudantes.

 

Cursos técnicos

- Agroecologia (Câmpus Lages)
- Agropecuária (câmpus São Carlos e São Miguel do Oeste)
- Alimentos (câmpus Canoinhas, São Miguel do Oeste e Xanxerê)
- Aquicultura (Câmpus Itajaí) 
- Cozinha (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Gastronomia (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Meio Ambiente (câmpus Criciúma, Florianópolis e Gaspar)
- Nutrição e Dietética (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Recursos Pesqueiros (Câmpus Itajaí)

 

Proeja (curso técnico + educação de jovens e adultos, a EJA)

- Agroecologia (Câmpus Canoinhas)
- Cozinha (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Manipulação e Processamento de Alimentos (Câmpus Xanxerê)

 

Cursos de graduação

- Agronomia (câmpus Canoinhas e São Miguel do Oeste)
- Alimentos (câmpus Canoinhas e São Miguel do Oeste)
- Engenharia de Alimentos (Câmpus Urupema)
- Gastronomia (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Gestão do Agronegócio (Câmpus Lages)

Cursos de especialização

- Ciência e Tecnologia de Alimentos (Câmpus Canoinhas)
- Ciência e Tecnologia de Alimentos com Ênfase em Alimentos Funcionais (Câmpus Xanxerê)
- Cultura e Sociobiodiversidade na Gastronomia (Câmpus Florianópolis-Continente)
- Desenvolvimento Rural Sustentável (Câmpus Canoinhas)
- Qualidade e Análise de Alimentos e Bebidas (Câmpus São Miguel do Oeste)

Curso de mestrado

- Clima e Ambiente (câmpus Florianópolis, Garopaba e Itajaí)

 

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